Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor — (Hebreus 12:28,29).
Estou angustiado. Já é difícil viver num mundo onde os ímpios zombam de Deus. Mais difícil ainda é presenciar a irreverência e leviandade que reinam no meio que se diz evangélico. Quando, porém, testemunho estas coisas no meio daqueles que confessam a fé bíblica e reformada, fico angustiado.
Deixe-me dar alguns exemplos.
Vejo irreverência quando se canta louvores ao Senhor. Vejo presbíteros, durante o cântico do último Salmo ao se encerrar uma reunião do Conselho, arrumando livros e documentos. Em conferências ou cultos, pessoas acham o momento do cântico dos Salmos apropriado para conversar a alta voz com seu vizinho ou para tirar uma dúvida ou até para tratar de coisas que não têm nada a ver com a ocasião. Os responsáveis pelo som aproveitam o momento em que a Igreja está cantando para conversar sem serem ouvidos.
Vejo irreverência quando se ora ao Senhor. Não há momento mais adequado, pensam, para se entrar e sair do auditório. Afinal de contas, a grande maioria está de olhos fechados e portanto posso aproveitar deste momento. Pior ainda é a prática de bater fotos durante a oração.
Vejo irreverência quando se lê a Palavra. Estamos ouvindo a voz do próprio Deus, mas basta qualquer coisinha para nos desviar a atenção. O celular começa a vibrar, ou vemos alguém passando, e no instante esquecemos dAquele que está nos falando.
De onde vem tamanha irreverência no meio daqueles que confessam o nome de Cristo?
Acredito, em primeiro lugar, que estamos sendo fortemente influenciados pela informalidade que reina na sociedade ao nosso redor. A nossa sociedade moderna não crê mais em reverência e respeito. Pelo contrário, a irreverência é celebrada como se fosse uma afirmação de liberdade e autonomia. Um sapo colocado em água quente pula fora logo. Porém, ele não pula fora da água se ficamos esquentando aos poucos. Da mesma forma, nos acostumamos à crescente irreverência que está se aumentando num ritmo imperceptível. Faça uma comparação entre hoje e o ano passado, e não consta muita mudança. Faça então uma comparação entre hoje e 20 anos atrás: existe ainda aquela reverência do passado?
Em segundo lugar, reina no meio que se diz evangélico, uma ideia equivocada de que a nova dispensação da aliança inaugurada na morte e ressurreição de Cristo exija menos reverência e solenidade nos atos de culto do que na antiga dispensação. O Deus solene e distante do Antigo Testamento, um santo juiz diante de quem o povo tremia, cedeu lugar para o Deus legal e simpático do Novo Testamento, que pede desculpas por tantos problemas no mundo, mas que nos ama e tem um "plano maravilhoso" para as nossas vidas.
Em terceiro lugar, somos profundamente envolvidos pelo conceito de culto oriundo do movimento Finneyano do século XIX. Para Charles Finney e seus seguidores, o momento de culto está focado no indivíduo com o propósito de incitar nele uma reação emocional ao evangelho. O culto solene, então, se tornou um momento no qual buscamos uma experiência religiosa para nós. Tudo gira em torno do participante, que tem de se sentir bem e tem de sair satisfeito com suas necessidades preenchidas. Não é surpresa que este conceito de culto resulte no tratamento dado à adoração nas igrejas, semelhante ao que é dado à nossa televisão: o culto existe para nos informar, nos divertir, nos emocionar. Quando, então, toca o celular ou bate a vontade de conversar com a pessoa ao nosso lado, não temos nenhum problema em “baixar o volume” e desviar a atenção.
O apóstolo Paulo, em Romanos capítulo 12, nos ensina como devemos reagir à primeira fonte de irreverência. Falando do culto racional que devemos a Deus em todo momento da nossa existência, ele nos chama a não nos conformar com este século, mas sermos transformados pela renovação da nossa mente. O que isto significa em termos práticos? Significa que por mais que a reverência e o respeito tenham se tornado inexistentes em nossa cultura, a família cristã jamais os deixará de ensinar. Isto começa em casa. Os nossos filhos aprendem na hora da leitura bíblica (você lê a Bíblia todos os dias com os seus filhos, não é?) qual é o comportamento apropriado e reverente quando Deus fala conosco. Até bebês pequenos podem, quando ensinados com muito amor e gentileza, a aprender aos poucos como ficar assentados e quietos durante as devocionais da família. Os filhos aprendam também com o nosso exemplo. Papai está lendo a Palavra e toca o telefone. Nada mais natural do que colocar o telefone em mute e continuar dando atenção à Voz de Deus. Veja o que você está ensinado aos seus filhos quando qualquer interrupção logo lhe faz colocar Deus em segundo plano para atender às coisinhas do homem.
Temos de entender o que está acontecendo quando lemos a Palavra, tanto em casa quanto no culto público. Deus está falando conosco. O amado das nossas almas está nos declarando o Seu amor, está nos consolando, está nos instruindo. Imagine uma noiva que está ouvindo seu noivo declarando o seu amor com tanta paixão, mas em meio a esta declaração toca o celular e ela sem pensar duas vezes se vira e começa falar ao telefone. Qual a mensagem que ela está dando ao noivo? O que seria muita falta de respeito entre seres humanos é, de fato, blasfêmia quando praticado contra Deus.
Aprendemos no capítulo 12 da carta aos Hebreus como devemos reagir à segunda e à terceira fonte de irreverência mencionadas. O apóstolo nos ensina neste livro inteiro como o culto solene é um encontro solene entre Deus e o Seu povo. No capítulo 12, ele faz questão de mostrar que a reverência e a solenidade não são menores em nossa época mas, ao contrário, o encontro se tornou ainda mais terrível e assustador do que no monte Sinai. De forma repetida e enfática ele mostra que, se o encontro entre Deus e o Seu povo foi uma questão de vida ou morte no Antigo Testamento, agora ele se tornou algo muito mais perigoso no Novo Testamento. No culto neotestamentário, não estamos adentrando a um lugar santo que é mais uma cópia e sombra das realidades celestiais. Antes, estamos adentrando diante do Trono do Universo, e por meio de Cristo estamos prestando um culto diretamente Àquele que está sentado entre os querubins. Por isto, Paulo menciona a presença dos anjos no culto Cristão (1 Co. 11:10).
Ou seja, quando o pastor está pregando o evangelho como porta-voz de Deus, é o próprio Deus que está falando (João 13:20, 2 Co 5:20). Sua palavra está, pelo poder do Espírito Santo, operando milagres de regeneração e fé nos corações (1 Pedro 1:23-25) — estamos na oficina do Espírito! Como é possível que pessoas estejam entrando e saindo, verificando seus e-mails no celular, conversando uns com os outros dentro e fora do auditório? O Santo de toda a terra está falando com aquela Voz que tem o poder de criar universos, de fazer novas criações em Cristo, mas também de levar pessoas ao juízo e inferno eternos. Ai daquele que não presta atenção! (Hebreus 12:25).
Será que entendemos o que acontece quando oramos e cantamos a Deus? Quando oramos, estamos falando com o Criador. Ele nos concede audiência. Se você consegue fazer qualquer outra coisa além de pensar intensamente na glória, na majestade e na grandeza dEle, você não entende nada sobre oração.
Se não fica profundamente movido e emocionado pelo fato de que, em Cristo, você está conversando com Aquele que habita em luz inacessível, você não entende nada sobre oração. Se consegue entrar e sair, levantar e sentar, conversar, pensar em outras coisas, bater fotos ou fazer qualquer outra coisa, você não sabe o que está acontecendo. Não estamos diante de um programa que está passando na televisão. Estamos no momento mais íntimo com o Bispo e Pastor das nossas almas—e você está perdendo este momento.
O mesmo se aplica ao nosso cantar. Os Salmos são as orações dos santos, dirigidas ao Senhor. Calvino, no prefácio ao Saltério Genebrino de 1543, fala sobre os dois tipos de oração: falada, e cantada. O que você está comunicado ao Amado da sua alma quando você, de uma forma distraída, está se concentrando em tantas outras coisas que não está juntando sua voz às vozes dos demais santos, e nem está cantando de coração? Sabe quem são os piores exemplos nisto, muitas vezes? Nós, pastores e presbíteros. Usamos o momento quando a Igreja louva a Deus, para resolver pequenas coisas, passar um recado a alguém, conversar e combinar algo. Quando encerramos uma reunião ou Concílio, ficamos arrumando os livros e documentos enquanto estamos, apenas com os lábios, cantando uma oração de louvor ao Santíssimo. Veja como ensinamos pelo mau exemplo!
Falta reverência em nossos dias. É difícil achá-la no mundo e nas ditas igrejas evangélicas. Mas também está muito ausente entre aqueles que confessam a verdadeira fé bíblica e reformada.
Precisamos meditar nas palavras de Hebreus 12:18-29. E, depois de meditar nelas, precisamos pô-las em prática. Precisamos orar a Deus pedindo-lhe mais da Sua graça para que possamos servir ao Senhor de modo agradável, com reverência e santo temor, “porque o nosso Deus é fogo consumidor”.
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Kenneth Wieske é pastor e serve as Igrejas Reformadas do Brasil na plantação de igrejas e preparação de oficiais. Ao mesmo tempo, trabalha para iniciar um seminário confessionalmente reformado em Recife.
Fonte: Projeto Os puritanos
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