quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Saltério de Genebra - Motivos


Lucas G. Freire

01. As melodias genebrinas foram feitas especificamente para o uso no saltério, ao passo que várias melodias de hinos (ex. Glória Glória Aleluia) são tiradas do repertório nacionalista, folcórico ou popular.

02. As melodias genebrinas inauguraram um estilo próprio de canto reformado. É um estilo de música feito exatamente para esse propósito, ao passo que várias melodias sacras meramente imitam estilos de fora (clássicos ou populares).

03. A maioria delas foi feita especificamente para associar a um salmo específico. Desse modo, ouvir a melodia, digamos, do Salmo 100, leva a pessoa a associar imediatamente a melodia à letra do Salmo 100. Em alguns poucos casos a mesma melodia foi aproveitada mais de uma vez. Hoje, por exemplo, se alguém aqui na Europa me ouve cantando "Altamente os céus proclamam" do hinário vai pensar que estou cantarolando o hino alemão que Hitler oficializou (antes dele era outro hino nacional).

04. As melodias genebrinas não têm tom "maior" ou "menor": elas seguem, ao invés, os "modos" clássicos de composição (em vez de escalas). Cada "modo" na cultura ocidental é historicamente associado a um "humor" (triste, triunfante, etc), e a ligação entre elas e a letra fica bem coerente. Poucos hinos seguem o mesmo estilo (exemplo, a cantiga de natal "Ó vem, ó vem Emanuel" e a melodia do Credo de Lutero) embora os cantos gregorianos em boa parte tenham seguido isso.

05. Por causa dos "modos", as melodias genebrinas também podem ser cantadas sem acompanhamento de uma forma simples. As melodias normais de hinos, se cantadas em uníssono, dão a impressão de que "falta algo". Para preencher a falta de acompanhamento, a igreja deve ensaiar as 4 vozes ou deixar faltando algo mesmo, o que pode gerar complicação no aprendizado.

06. A composição foi feita de modo tal que o canto "alinhado" não cause estranhamento (o instrutor canta 1 linha, a igreja repete, etc). Isso é vital na hora de ensinar.
                                                                                                                                                                        07. As melodias de Genebra seguem o princípio de 1 nota/tempo musical por sílaba, o que elimina dificuldades com "voltinhas" da melodia (exemplo de hino com "voltinhas": refrão de "Saudai o Nome de Jesus"), facilitando, assim, que uma pessoa com pouco conhecimento de partitura consiga não obstante articular as sílabas só de ler a letra. Isso definitivamente NÃO ocorre nos corinhos populares, em que uma só sílaba dá tantas voltinhas que fica impossível acompanhar se você não conhece a melodia de cor.

08. As melodias de Genebra foram compostas todas seguindo o princípio de ficar dentro de 1 oitava em termos de escopo da melodia. Assim, nenhuma ficará aguda demais (a não ser que no canto a capella o líder deliberadamente escolha um tom tão agudo que ele mesmo notará o problema), nem grave demais. Em alguns hinos e em MUITOS corinhos, existe um problema grave de notas agudas demais (exemplo, final de uma versão de "As tuas mãos dirigem meu destino" com a melodia irlandesa folclórica "Danny Boy"/Londonderry Air).

09. As melodias de Genebra foram compostas em sua maioria por compositores historicamente famosos e cuja qualidade é reconhecida e respeitada mesmo em meios não religiosos como grandes contribuições à música renascentista.

10. Prova disso é que arranjadores que acharam valor nas melodias genebrinas e as adaptaram são igualmente respeitados na história da música. Exemplos: Pascal L'Estoquart, Jan Pieterzoon Sweelinck, Johann Sebastian Bach (somente algumas melodias), Paul Siefert, Orlando di Lasso, Salamone Rossi e mais recentemente Arthur Honegger, Zoltan Kodaly e Frank Martin. Kodaly sendo um dos maiores compositores hungaros e Sweelinck até hoje nunca superado em termos de música erudita na Holanda.

11. Por causa do cuidado dos tradutores, as mesmas melodias de Genebra foram associadas aos respectivos salmos nas traduções para outros idiomas. Assim, o Salmo 100 na Hungria, Espanha, Japão, Turquia e Canadá (uso exemplos reais!) será o mesmo.

12. Também por causa das traduções: isso prova o interesse de comunidades reformadas espalhadas pela face da terra na uniformidade católica do culto reformado, além de provar que o povo reformado tem reconhecido o valor dos salmos genebrinos e seu uso litúrgico ao longo da história e transcendendo culturas.

13. O fato de ser composto seguindo os "modos" e não "escalas" torna o saltério genebrino menos "eurocêntrico", e portanto mais aceitável em outras culturas, como é o caso da recente adoção do Saltério Genebrino na igreja reformada do Japão, tendo sido gravado em parte pelo ilustre Masaaki Suzuki (um dos maiores maestros contemporâneos que "por acaso" é crente e reformado) na versão japonesa.

14. O próprio Calvino e as autoridades de Genebra levavam a sério a uniformidade do canto reformado, a ponto de terem aprisionado Claude Goudimel (um dos compositores das melodias genebrinas) por ter alterado uma melodia já circulante na igreja sem dar aviso prévio. Ora, como a igreja reformada no mundo todo preza os salmos genebrinos, por que deveria ser diferente aqui?

15. O ritmo das melodias genebrinas é bastante regular e adequado ao uso congregacional (ao contrário de hinos como "Chuva de Bênçãos", "Firme nas Promessas", etc.), sem contudo ser chato e cansativo, contando inclusive com algumas surpresas rítmicas, sem contudo fazer da surpresa a regra geral (portanto, ao contrário de corinhos diversos, que imitam o deslocamento do tempo forte adotado no rock e na música pop).

16. Além de todas essas características, as melodias de Genebra utilizam o artifício deliberado de uma melodia "em espiral" (sobe e desce, sobe e desce), criando um efeito "ondulatório" que comprovadamente acalma o ânimo da congregação, segundo pesquisas musicológicas indicam (não li o artigo, quem leu foi o pastor Ken Wieske). Isso, claro, ao contrário de diversos corinhos que agitam a congregação.

17. O ritmo regular das melodias genebrinas não incentiva dança.

18. Ao contrário de diversos hinos ("Tu és fiel", "Chuva de Bênçãos", "Conta as muitas Bênçãos", "Firme nas Promessas", etc.), e da maioria dos corinhos, as melodias genebrinas nunca foram originalmente associadas a movimentos ou pessoas de teologia dúbia (exemplo "cruzadas gospel" do séc. XIX-XX no caso desses hinos).

19. Ao contrário dos mesmos hinos associados a movimentos arminianos, que tinham o propósito deliberado de promover uma reação emocional nos ouvintes, para na hora do apelo se "converterem", os salmos de Genebra são exemplos de incentivo à sobriedade, seriedade e reverência no culto público, sendo portanto mais adequados a um culto voltado para Deus do que para os homens.

20. Se os 19 pontos anteriores não bastam, temos ainda que encarar o fato da superioridade musical das melodias genebrinas, tanto subjetiva como objetivamente.

Que os salmos genebrinos, que são o canto reformado do mundo afora, possam também ser o canto do povo reformado lusófono.

E que eles sirvam de padrão para a nossa escolha de OUTRAS melodias para associar com os salmos, incluindo novas composições.

Deus abençoe a igreja.

Fonte:Projeto Salmodia Exclusiva

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